quinta-feira, 3 de abril de 2014

COLUNA RELIGIOSA :SÔBRE O PADRE JOSÉ DE ANCHIETA

Padre José de Anchieta realizou grandes feitos na área artística

Naturalmente, o título que antecede o nome de José de Anchieta tende a ofuscar suas demais atividades. O padre espanhol, um dos responsáveis pela solidificação do cristianismo no Brasil, foi canonizado nesta quarta-feira (2) por meio de um decreto do Papa Francisco, em Roma, na Itália. A decisão do Vaticano ocorre devido às contribuições do beato para a Igreja Católica – entre elas, a divulgação da fé cristã no Espírito Santo e a posterior fundação da cidade de Anchieta, na Região Sul.

Mas o padre também foi um grande mestre das artes, segundo especialistas. “A abrangente obra de José de Anchieta é o sonho de um artista completo, pois envolve poemas, cartas, dramaturgia, crônica, memorialismo, gramática, entre outras formas”, diz Oscar Gama Filho, autor de “História do Teatro Capixaba: 395 anos”, livro em que discorre, também, sobre a influência do beato na arte produzida no Espírito Santo.

O artista Anchieta se destaca sobretudo pelas poesias e peças teatrais. A ele é atribuída a criação do primeiro poema épico do continente americano, intitulado “De gestis Mendi de Saa” (“Os feitos de Mem de Sá”), de 1563, nove anos antes da publicação de “Os Lusíadas”, do português Luís de Camões.
Beato José de Anchieta



Mais famoso é, no entanto, o poema “De Beata Virgine dei Matre Maria” (“Poema da Bem-Aventurada Virgem Mãe de Deus Maria”), conhecido como “Poema da Virgem”. A história é de cinema: ao lado do sacerdote português Manuel da Nóbrega, José de Anchieta foi à Iperoig, litoral sul de São Paulo, hoje conhecida como Ubatuba. Lá, tentou negociar com os índios Tamoios, a fim de acabar com a guerra entre indígenas e portugueses. Para ajudar na intermediação, ofereceu-se como refém da tribo, enquanto Manuel da Nóbrega tentava desatar os nós em São Vicente.

Durante os meses no cativeiro, o padre só tinha uma superfície para fazer literatura: a areia. “Nesse período, ele escreveu o famoso ‘Poema da Virgem’. Fez todos os versos na areia mesmo”, explica Luciano Ramos, autor de “José de Anchieta: Poeta e Apóstolo”, livro que conta a trajetória de Anchieta, misturando fatos e ficção. “Como era verso rimado e metrificado, ele conseguiu memorizar tudo. Quando voltou para a ‘civilização’, passou tudo para o papel.”

No teatro, os especialistas destacam o conteúdo educativo e catequético de Anchieta. O objetivo das peças seria de transmitir os valores cristãos para indígenas e colonizadores. “Ele recorria ao teatro como um meio de educação coletiva, basicamente passando princípios do evangelho, mas também valores mais amplos, como a aceitação das diferenças culturais, paz e amor ao próximo. A inspiração dele era a própria missa, que a princípio é uma encenação”, diz Ramos

O escritor lembra que as peças de José de Anchieta eram escritas em vários idiomas. A intenção era representar com verossimilhança seus personagens de diferentes nacionalidades, bem como promover a ideia de tolerância. “Ele dizia que o propósito era de misturar as línguas nas cabeças das pessoas, porque assim entenderiam melhor a convivência com diferentes culturas.”

Gama Filho conecta as doze peças de Anchieta – oito das quais encenadas no Espírito Santo – ao teatro de vanguarda. “Ele criou, por exemplo, o teatro-trash. De certo modo, suas montagens são também precursoras do teatro dialético, de Brecht, e da antropofagia modernista de 1922.”

Segundo o escritor, a primeira peça do padre foi “Na Festa do Natal”, que estreou provavelmente em 25 de dezembro de 1561, na vila de São Paulo de Piratininga. No Espírito Santo, “Na Aldeia de Guaraparim” foi sua montagem de estreia, em 8 de dezembro de 1585, na inauguração da igreja de Guarapari. Essas e as demais peças, de acordo com Gama Filho, procuravam “divulgar os princípios católicos e trazer mais ovelhas para o rebanho da Igreja”, o que se configuraria em uma tentativa de aculturação dos indígenas.

“A montagem era transformada em um grandioso show em que se empreendia a crítica dos costumes indígenas e a apologia da vitória dos valores cristãos”, afirma Gama Filho. “Lembremo-nos de que, em um país de analfabetos, as representações teatrais e as missas eram os similares da televisão, do cinema e da internet.”

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